sábado, 23 de julho de 2011


uma criação dos caçadores e é corrente a sua referência nos pousos da mataria, quando os fanáticos de Santo Humberto se reúnem para distrair a monotonia das horas, contando proezas em caçadas, até a lua a pino trazer o canto do urutau.

O bode preto é uma figuração do diabo, o espantalho da distração cinegética, lançando a confusão no espírito dos que andam em procura ou então à espera da lépida caça. Simula animais: veados, antas e outros, desaparecendo à vista da mira do caçador. Manifesta-se o bode preto dentro de várias peles, mas comumente é o próprio animal lendário que vem intrigar o homem: um enorme bode, com longos pêlos, olhos brilhantes como fogo, frande aspas e um bigodão de faze terror aos mais destemidos. Tem um berro agudo, como só mesmo satanás seria capaz de emitir: reboa, reboa e por muito tempo o eco repercute nas quebradas a pique. O bode preto fala e pela manifestação articulada é que se distingue dos outros colegas da mesma cor; também se distingue pelo colossal cavanhaque, característico do monstro, anotado pelos caçadores do alto sertão.

Certa vez m caçador, ao atravessar uma ponte, avistou um vulto do outro lado; a montaria refugou e o nosso homem fez pontaria, mas o vulto, que era o bode preto, replicou com voz de cana rachada: "Não me atire que você será feliz!" O homem fez fogo e uma enorme gargalhada rompeu no meio da mataria, enquanto um cheiro de enxofre invadia a atmosfera, espesso e nauseabundo.

Em outra ocasião um caçador de onça, enganchado num florido pequizeiro, espreitava um campeiro que vinha pastar a floração caída da árvore. Aprozimando-se o esbelto animal, um tiro ecoou na calma noturna. Porém, o animal continuava a pastar, indiferente, enquanto um segundo tiro do enferrujado caravinote abalava a arcada florestal, prolongando-se... amortecendo. O caçador desceu assombrado da forquinha, apontou, até sumir-se diante da pontaria.

O homem deu "às gambias" e nunca mais meteu-se em caçadas, à meia-noite, na forquilha dos pequizeiros.

- O bode preto existe mesmo – terminou o ingênuo narrador, lançando a vista para muito longe, como se quisesse concentrar o pensamento, idealizando a figura diabólica da superstição popular.

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